Sexta-feira, 6 de Maio de 2005

O NASCIMENTO DA RÁDIO, por Sérgio Carvalho

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Um programa na noite de Natal, que não fora anunciado, transmite, pela primeira vez, música e vozes humanas e proclama o início de uma nova era no domínio das comunicações. A emissão radiofónica, que em breve se tornaria a forma mais popular de entretenimento de massas jamais criada, foi inaugurada num programa simples não anunciado, de 1906. “Esta primeira edição foi ouvida por uma pequena audiência desprevenida - operadores de rádio - a bordo de um navio ao largo da costa da Nova Inglaterra. Subitamente, cerca das 20 horas, os operadores ouviram surpreendidos o som da voz de um homem nos seus auscultadores. Este leu a história de Natal do evangelho de São Lucas, tocou violino e uma gravação do Largo de Händel e desejou a todos um feliz Natal. Tudo se passou em alguns minutos após o que recomeçou o crepitar familiar do código de morse.

Esta voz pertencia a Reginal A. Fessender, que, durante quatro anos, trabalhou afincadamente para aperfeiçoar um sistema de transmitir a fala, através da modelação de um sinal de rádio contínuo, de acordo com as modelações da voz humana. Enquanto Fessender trabalhava para aperfeiçoar o seu sistema surgiu um outro homem com intuitos semelhantes. Lee de Foret inventou, em 1906, uma válvula de rádio, suficientemente sofisticada para permitir a emissão da voz humana. O Audião, como de Forest a denominou, em breve se tornou a válvula usada em todas as telefonias. Guglielmo Marconi lançara, dez anos antes, as bases daquele que seria um brilhante império, com o seu invento da telegrafia e a sua transmissão de um sinal de rádio, através do Atlântico, em 1901. Inventos que haviam transformado as comunicações internacionais proporcionando, pela primeira vez, um meio de transmitir mensagens entre locais distantes.

Uma das razões da infância prolongada da rádio foi o facto de nos seus primórdios ainda não ter sido produzido o equipamento necessário para comunicações radiofónicas em massa. Outro motivo foi também a lentidão do público em aceitar a ideia: a princípio a transmissão radiofónica era considerada um passatempo divertido, mas de pouca utilidade. Assim, durante cerca de 15 anos, a rádio ficou confinada a um grupo pequeno mas entusiasta de amadores, que emitiam e ouviam por meio de auscultadores conversas improvisadas e música tocada em fonógrafos. Os seus aparelhos eram rudimentares, volumosos, habitualmente fabricados em casa, com fios de cobre, embalagens de cartão e equipados com auscultadores individuais. Sarnoff apresentou e desenvolveu um projecto que veio tornar a rádio uma utilidade doméstica levando a música aos lares através da telefonia sem fios. O receptor poderia simplesmente ter a forma de uma caixa de música radiofónica e estar preparado para vários comprimentos de onda seleccionados mediante o rodar de um simples comutador ou o premir de um simples botão.

A formação de cadeias emissoras foi o prelúdio da idade de ouro da rádio, enquanto surgia a rivalidade entre as estações competidoras para atrair ouvintes e patrocinadores. Os programas e as estrelas proliferaram no final dos anos 20/30. Ouvir rádio tornou-se um passatempo favorito na América. E, em plena Depressão, quando os clubes nocturnos não tinham frequentadores e as companhias de teatro desapareceram, a venda de aparelhos de rádio estava em expansão. A rádio lançou tendências e formou gostos em grande escala. Apoderou-se da audição atingindo praticamente todos os sectores da população. Tornou populares novas expressões, sugeriu novas formas de alimentação, pensamento e vestuário e trouxe para o interior dos lares notícias locais distantes. Normalmente, uma família podia ouvir à noite uma comédia radiofónica, uma récita de ópera, um programa mistério, um espectáculo de variedades, uma peça de teatro ou um jornal noticioso.

Em Inglaterra a rádio seguia um padrão muito diverso do americano. Em 1927 uma carta régia autorizou a criação de uma cadeia radiofónica a British Broadcasting Corporation (BBC), orientada por uma Direcção nomeada pela Coroa e responsável perante o Correio-Mor, cadeia que seria financiada pelo produto das licenças anuais pagas pelos proprietários dos aparelhos de telefonia. Os programas incluíam noticiários, concertos, conferências e peças de teatro. Todos estes programas eram transmitidos ao vivo dos estúdios da BBC, em Londres.

Monopolizando a rádio, o governo pode orientar as opiniões da população, pela simples repetição e pela exclusão das ideias que podem gerar conflito. O poder que a rádio tem de envolver as pessoas em profundidade manifesta-se no uso que os adolescentes fazem do aparelho de rádio, durante os seus trabalhos de casa, bem como as pessoas que trazem consigo os seus transistors, que lhes proporcionam um mundo particular próprio no meio de multidões.

Os governos democráticos também usaram as ondas hertzianas com objectivos políticos, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial. A BBC enviou mensagens de guerra a combatentes da Resistência na Europa Ocupada. A Voz da América “transportou” propaganda americana para além das linhas inimigas. A Alemanha, em 1933, tornou a rádio numa arma afiada e segura ao serviço do Governo Alemão. Não há dúvida que sem a rádio, Hitler não teria tido o protagonismo que teve, nem teria sido o líder que acabou por se revelar . A rádio contribuiu não só para a divulgação e expansão das suas campanhas e ideias, mas também para a monopolização do povo alemão, no abraço comum ao nacional socialismo.

Contudo, a rádio viria a perder a sua supremacia a partir do momento em que eclode o fenómeno televisivo. Aparecimento que quase poderia significar o fim da rádio, se as cadeias radiofónicas não tivessem agido rapidamente no sentido de reestruturar a sua programação básica, visando dar maior destaque aquilo que ultrapassava o âmbito da televisão: noticiários em cima da hora, música e programas de utilidade pública. Para a rádio os anos da guerra foram excessivamente prósperos. Em Outubro de 1946 havia 909 estações de rádio comerciais a emitir em Modelação de Amplitude (AM) com licença. Dezasseis meses mais tarde tinham surgido 600 novas estações. E em 1950 havia 2086 estações de rádio e 80 milhões de postos receptores.

A difusão em Frequência Modelada (FM) começou experimentalmente em 1936 e era representada por 30 estações em 1942, uma vez que durante a guerra tinham estado paralisadas as instalações, bem como a emissão de licenças.

Os serviços de actualidades radiofónicas ficaram surpreendidos ao constatar o interesse do público pelo seu trabalho depois da guerra. As estações mais bem apetrechadas tinham criado durante a guerra a sua sala de redacção, onde o pessoal preparava o resumo das actualidades, quer de nível nacional quer local.
publicado por António Luís Catarino às 18:37
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2 comentários:
De Anónimo a 15 de Maio de 2005
Acho que o artigo está muito interessante, mas para o próximo artigo aconselhava o texto mais pequeno. Penso que é interessante pois grande parte de nós não imagina muitas vezes qual o nascimento da tecnologia da comunicação que agora existe ao nosso dispor.Um abraço. ass: Bentus 16ventura
</a>
(mailto:c.ventura@sapo.pt)
De Anónimo a 6 de Maio de 2005
Sérgio: A rádio, para mim, sempre foi muitíssimo importante (para além da música que ouvia nela!) e, ao ler o teu belíssimo artigo, pus-me a pensar que a rádio foi, de facto, determinante nos momentos mais intensos que vivi social e politicamente falando, claro. Continua e parabéns.Prof. Luís Catarino
</a>
(mailto:skamiaken@sapo.pt)

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